Resultados do Mapeamento [2024]
Após o lançamento do projeto Musimutra, recebemos diversas inscrições que baseiam os dados do primeiro "Mapeamento da música de invenção feita por mulheres e pessoas trans no Brasil". Nesta página você pode ler sobre os resultados do primeiro mapeamento (2024) e conhecer mais quem se inscreveu:
Tessitura em expansão
A presente pesquisa revela um mosaico vivo e diverso de mulheres e pessoas trans que se dedicam ao que pode ser chamado de “música de invenção”: música que é difícil de definir e de enquadrar, que se desdobra em múltiplas possibilidades, que se espraia para além do esperado e engendra o desenho de novos territórios. O questionário, que ainda pode ser consultado - e respondido para pesquisas futuras - coletou 72 respostas, principalmente no decorrer do segundo semestre de 2024. Os dados coletados mostram que essas/esses artistas, em sua maioria, se identificam como LGBTQIAPN+ e pertencem a diversas faixas etárias, recortes raciais e classes sociais, compondo um universo de identidades que desafia normas e padrões estabelecidos. Entre práticas como Eletrônico Experimental, Livre Improvisação e Rap Experimental, percebe-se uma cena pulsante, porém marcada por obstáculos de acesso e reconhecimento.
As respostas indicam que fatores como identidade de gênero, orientação sexual, raça, classe, neurodivergência, deficiência, corpo fora do padrão, maternidade solo e localização geográfica (centro/periferia) influenciam profundamente as trajetórias musicais dessas pessoas. A falta de infraestrutura cultural nas periferias, a escassez de oportunidades para quem está acima dos 40 anos e as barreiras ligadas a preconceitos e estigmas são apontadas como alguns dos motivos que dificultam a permanência no cenário musical e o crescimento profissional. A interseccionalidade e noções como ser “duplamente periférica” - por exemplo, morar em uma favela de uma cidade periférica - precisam ser constantemente consideradas.
Ainda assim, o número expressivo de artistas que se reconhecem em condições não normativas e desenvolvem trabalhos surpreendentes reforça a riqueza criativa e a capacidade de invenção que surgem justamente desses encontros e embates, dessas resistências e rebeldias, dessas vozes plurais e dissonantes.
Mesmo antes de concluído, o processo de pesquisa e a criação desse canal chamaram a atenção de um dos mais importantes festivais de música experimental, de música de invenção e de arte sonora da América Latina, o Novas Frequências, que vem sendo realizado anualmente há 14 anos na cidade do Rio de Janeiro. A Musimutra fez a co-curadoria de uma das noites do festival, com duas artistas - Luca d`Alessandro e Salisme - se apresentando no Centro de Referência da Música Carioca Arthur da Távola, no início de Dezembro. Além disso, como criadora e principal desenvolvedora do projeto, fui convidada a falar sobre ele no espaço para conversas do Futuros Arte e Tecnologia.
Entretanto, algumas ausências necessitam de maior entendimento. Muitas pessoas com forte presença na cena da música experimental há anos, principalmente mulheres cis, brancas, dos grandes centros e vinculadas de alguma forma ao meio acadêmico, não responderam a pesquisa em 2024. Como um contraponto, muitas revelações e descobertas valiosas surgiram do interior do Brasil, fora do eixo metropolitano Rio-SP, na presença expressiva de artistas não-brancas, não-bináries e travestis. Uma hipótese é que algumas das artistas mais estabelecidas tinham outras prioridades e acabaram perdendo o prazo; e que estas artistas que estão mais à margem dos grandes centros e/ou das instituições reconheceram na pesquisa e no site um canal de divulgação e uma possibilidade de escuta e acolhimento de seus trabalhos e experiências.
Outro ponto é que não houve nenhuma resposta de artistas com mais de 60 anos; e sabe-se que algumas das pioneiras encontram-se justamente nessa faixa etária. A principal hipótese, para além das dificuldades que o etarismo apresenta de forma ainda mais injusta às artistas mulheres e pessoas dissidentes de gênero, é que essas pioneiras provavelmente não foram alcançadas porque, em geral, fazem uso da internet e das redes sociais de forma mais eventual e pontual. A partir desses dados - tanto das ausências quanto das revelações - o que se conclui é que a pesquisa deve ser continuada, buscando alcançar mais artistas e ampliar a tessitura dessa trama de sons, dados, histórias vivas. Na palavra tessitura, também há uma homenagem: à Cássia Siqueira, artista, musicista e professora, filósofa brilhante, uma referência transfeminina que se foi em agosto de 2024, aos 27 anos. Cássia usou o nome “textura aberta” em seu blog de escritos e iria escrever um artigo sobre esta pesquisa e ministrar uma oficina online neste projeto. Que seja sempre lembrada, lida, escutada e honrada.
O cenário traçado pela pesquisa, embora contenha desafios significativos, revela a potência transformadora da música experimental. Em meio a redes de apoio minguadas ou iniciativas pontuais de incentivo, essas compositoras, improvisadoras e performers constroem espaços próprios, sustentados pela troca de saberes, pela colaboração e pela urgência de fazer arte. É um movimento de reinvenção que se recusa a silenciar, exigindo políticas de inclusão, acolhimento de pessoas em diferentes fases da vida, maior visibilidade para grupos minorizados e, sobretudo, a possibilidade de se expressar sem amarras, quebrando paradigmas que vão além do âmbito sonoro.
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Leandra Lambert, criadora da Musimutra
1. Identidade de Gênero
A maioria (50,7%) se identifica como mulher cis. Entretanto, observa-se uma expressiva participação de pessoas trans e não binárias (quase metade do total: 49,3%). Esse dado evidencia a importância de compreender as demandas, vivências e possíveis desafios enfrentados por pessoas trans (incluindo travestis, transfemininas, transmasculinos e não bináries) no fazer musical. A presença significativa de travestis (13,7%) e de pessoas não binárias (21,9%) sinaliza que há um interesse e uma atuação ativa desses grupos em práticas de criação musical, muitas vezes marginalizadas ou pouco visibilizadas.
2. Faixa Etária
A distribuição etária indica que há predominância de pessoas na faixa dos 31 aos 39 anos (36,1%), seguida de perto por 25 a 30 (26,4%) e 40 a 49 (18,1%). Embora também haja participação de pessoas mais jovens (18-24) e de quem está na faixa dos 50 a 59 anos, a maior concentração em faixas acima dos 25 anos pode sugerir maior estabilidade ou experiência prévia na produção de música de invenção. Ao mesmo tempo, indica que iniciativas de formação e apoio voltadas às faixas mais jovens podem incentivar a renovação e a diversificação geracional.
No entanto, também é marcante o peso do etarismo como fator que dificulta a permanência na música: há um declínio significativo de participantes depois dos 40 anos, uma porcentagem muito baixa na faixa dos 50 e nenhuma resposta de pessoas com mais de 60. Essa ausência sugere que as gerações mais antigas podem estar pouco visíveis, ocultando-se justamente pessoas que estiveram entre as precursoras em seus campos. O menor acesso dessas pessoas à internet provavelmente também colaborou, em parte, para a ausência de respostas na faixa 60+.
Ainda assim, o etarismo é uma realidade e é fato que as carreiras de mulheres e pessoas trans frequentemente começam tarde e/ou são interrompidas e retomadas de maneira atribulada, devido aos mais diversos fatores sociais, econômicos e psicossociais, tais como maternidade, grande instabilidade de renda e problemas de saúde mental. Iniciativas de formação continuada, acolhimento de pessoas mais velhas e ações que valorizem trajetórias de longa duração podem contribuir para a ampliação da faixa etária ativa na música e para o reconhecimento da importância da experiência acumulada de artistas com uma longa estrada.
3. Recorte Racial
Quanto à autodeclaração de raça/cor, 62,5% se identificam como brancas, enquanto 29,2% somam quem se declara negra/o (preta/o ou parda/clara). Ainda aparecem 4,2% de pessoas indígenas e 4,2% asiáticas/os. Esse recorte mostra a prevalência de brancas/os e de como esse privilégio se reflete na possibilidade concreta de desenvolver uma produção musical experimental; mas também revela participação importante de pessoas negras, indígenas e asiáticas. Em um contexto social mais amplo, esses grupos muitas vezes enfrentam barreiras adicionais de acesso, seja a equipamentos, formação ou espaço de difusão. Portanto, observar a presença deles indica que há diversidade, mas ao mesmo tempo reforça a necessidade de políticas afirmativas ou de inclusão que ampliem oportunidades.
4. Classe Social (Auto percepção)
A maior parte das pessoas pesquisadas (63,9%) se considera de classe média, seguida por 30,6% que se declaram pobres, 4,2% de classe média alta e 1,4% muito pobres. A presença de 32% de pessoas que se veem como pobres ou muito pobres é significativa, pois revela desigualdades socioeconômicas dentro do campo artístico. Isso repercute em dificuldades de acesso a equipamentos, formação continuada, tempo para pesquisa e produção, entre outros fatores que impactam a produção musical.
Os dados evidenciam a importância de iniciativas de inclusão e suporte, considerando recortes de gênero, raça e classe. Para mulheres cis, travestis, pessoas trans e não binárias que fazem música de invenção, políticas de fomento, trocas de conhecimento e espaços de visibilidade podem ser estratégias eficazes de fortalecimento coletivo.
5. Orientação Sexual e Identidade no Espectro LGBTQIAPN+
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LGBTQIAPN+ (77,8%) x Mulher hetero cis (22,2%)
A maioria das pessoas que responderam à pesquisa se autodeclaram LGBTQIAPN+. Esse dado reforça que o público pesquisado abrange majoritariamente indivíduos cujas vivências e expressões de gênero e sexualidade não se encaixam em uma norma heterocisgênera.
Aspectos Qualitativos:
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Ambientes de criação musical podem reproduzir discriminações que afetam de forma intensa quem é LGBTQIAPN+.
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O dado sugere potencial de criação e inovação a partir de experiências plurais, uma vez que a arte se relaciona diretamente à vivência individual e coletiva.
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Vale ressaltar o recorte de “mulher hetero cis”: embora minoritário no grupo, mostra que o campo de música de invenção não se restringe a uma só experiência, mas congrega diferentes identidades.
6. Neurotipicidade e Neurodivergência
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Neurotípica/o (77,8%) x Neurodivergente (22,2%)
Cerca de um quinto das pessoas que responderam à pesquisa se reconhecem como neurodivergente (incluindo TEA, TDAH, TAB, etc.). Esse percentual é significativo e indica a importância de criar condições de acessibilidade, acolhimento e práticas inclusivas para pessoas com diferentes modos de processar e interagir com o mundo.
Aspectos Qualitativos:
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Pessoas neurodivergentes podem encontrar dificuldades em contextos de criação musical (ruídos, luminosidade, excesso de estímulos, instabilidades de humor que se refletem na capacidade produtiva, etc.), mas também trazem visões únicas que contribuem para a diversidade na produção artística.
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Em termos de políticas de inclusão, vale pensar em adaptações de formato de ensaios, oficinas e apresentações (p. ex., locais silenciosos ou com suportes visuais, dinâmicas de trabalho com prazos, horários e métodos realmente flexíveis, etc).
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Trocas de experiências entre neurodivergentes e neurotípicas/os podem gerar estratégias colaborativas de composição e performance.
7. Pessoas com Deficiência (PcD)
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Pessoa sem deficiência (94,4%) x Pessoa com deficiência (5,6%)
Embora o percentual de pessoas com deficiência na amostra seja pequeno, ainda assim é relevante atentar para as necessidades específicas de quem se declara PcD. A criação e a circulação de música de invenção podem encontrar entraves de acessibilidade (arquitetônica, de comunicação ou de equipamentos) que dificultam a participação plena das PcDs.
Aspectos Qualitativos:
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Barreiras físicas e comunicacionais muitas vezes afastam pessoas com deficiência do universo da música experimental, que já costuma ter desafios de financiamento e difusão.
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É fundamental garantir condições de acesso a locais de ensaio, teatros, festivais e outras plataformas de visibilidade para PcDs que fazem música de invenção.
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Tecnologias assistivas (por exemplo, softwares de composição ou instrumentos adaptados) podem ampliar as possibilidades de criação e performance.
8. Localização Geográfica (Centro/Periferia)
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Habitante dos centros (72,2%) x Periférica/o (27,8%)
Os dados indicam que a maior parte das pessoas vive em áreas centrais (72,2%), enquanto 27,8% se reconhecem como moradoras de regiões periféricas. Esse recorte sugere que a distância dos grandes centros culturais pode influenciar oportunidades de formação, acesso a equipamentos e participação em eventos.
Aspectos Qualitativos:
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A pesquisa também evidencia que a localização geográfica, especificamente a condição de ser moradora ou morador de regiões periféricas, tem impacto direto sobre a carreira musical de quem faz música de invenção. Pessoas que estão distantes dos grandes centros urbanos e culturais relatam dificuldades de acesso a formação, equipamentos e oportunidades de apresentação, seja pela falta de infraestrutura cultural ou pelas barreiras de mobilidade e custo.
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Ainda assim, a presença significativa de artistas que se reconhecem como periféricos/as indica uma cena resistente, cujos percursos criativos se estruturam em redes alternativas de apoio e colaboração.
9. Maternidade e Cuidado
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Mães solo (11,1%) x Sem filhos ou cuidado compartilhado (88,9%)
A maioria (quase 9 em cada 10) declarou não ter filhos ou manter cuidado compartilhado. Em contrapartida, 11,1% das respondentes se percebem como mães solo, ou seja, responsáveis sozinhas (ou quase) pela criação de filhos/as.
Aspectos Qualitativos:
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Mães solo frequentemente enfrentam maiores desafios na dedicação a atividades artísticas, devido à sobrecarga de trabalho e cuidado.
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No campo da música de invenção, que muitas vezes demanda pesquisa, prática e horários pouco convencionais (como ensaios e shows noturnos), essas limitações podem ser ainda mais marcantes.
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A presença dessas mães solo, ainda que minoritária, chama a atenção para a necessidade de políticas ou espaços (por exemplo, residências artísticas com estrutura de acolhimento infantil, apoio financeiro específico, creches conveniadas) que viabilizem a participação e a continuidade de suas carreiras artísticas.
10. Faixa Etária (+40)
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Menos de 40 anos (77,8%) x Mais de 40 anos (22,2%)
Os dados confirmam que a maior parte das pessoas pesquisadas é mais jovem (abaixo de 40 anos). Embora haja uma representatividade de quem tem mais de 40, ela é menor.
Aspectos Qualitativos:
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Em artes experimentais e práticas musicais de invenção, faz sentido observar uma presença significativa de pessoas mais jovens, pois muitas estão em fases de inquietação, de intensa exploração estética e de consolidação de linguagem.
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Por outro lado, a participação de quem tem mais de 40 anos (mais de 1 em cada 5 entrevistadas/os) evidencia que a música de invenção não é restrita a uma faixa etária. Há trajetórias profissionais e amadoras que se estendem ou se iniciam tardiamente, e isso contribui para a diversidade de repertórios e experiências.
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Essa variação etária requer ações que dialoguem tanto com formação e oportunidades para iniciantes mais jovens quanto com a valorização de trajetórias mais antigas, tanto as consolidadas quanto as ainda em busca de uma realização mais plena.
11. Autopercepção de Corpo
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Padrão médio (91,7%) x Gorda/o (8,3%)
A maioria das pessoas avalia seu tipo de corpo como “padrão médio”, enquanto uma parcela menor (pouco menos de 1 em cada 10) se identifica como gorda/o.
Aspectos Qualitativos:
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Ainda que seja um percentual reduzido, a existência de pessoas gordas na cena de música de invenção deve ser considerada em termos de barreiras estéticas, midiáticas e de saúde que podem afetar a participação plena no campo artístico. Esse percentual reduzido pode significar um impedimento tão grande que a tais pessoas nem mesmo se permite que cheguem “ao palco”, seja a partir de limitações interiorizadas após sofrer repetidamente situações de preconceito traumáticas; seja por exclusão externa; ou, o que é mais provável, uma combinação dos dois.
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Em ambientes onde a performance de palco pode envolver exposição corporal, há relatos frequentes de gordofobia e estigmas que impactam a autoestima e a visibilidade de artistas gordos/as.
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Políticas de inclusão e conscientização sobre diversidade corporal podem contribuir para que essas pessoas se sintam acolhidas e tenham oportunidades de apresentar seu trabalho sem sofrer preconceito.
12. Características Divergentes da Norma Dominante (70,8%)
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Observa-se que a maioria (70,8%) das pessoas pesquisadas considera que fatores como identidade trans, vivências LGBTQIAPN+, raça, classe, neurodivergência, deficiência, maternidade solo, ser uma pessoa gorda ou mais velha prejudicaram suas trajetórias artísticas, resultando em dificuldades adicionais de profissionalização e acesso a oportunidades.
Aspectos Qualitativos:
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De maneira geral, características divergentes da norma – tais como identidade trans, vivências LGBTQIAPN+, raça, classe, neurodivergência, deficiência, maternidade solo, idade, entre outras – são percebidas como fatores que impactam negativamente os percursos musicais, gerando exclusões ou estigmas sociais.
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Esses estigmas podem se traduzir em obstáculos concretos, desde a falta de oportunidades em editais, festivais, selos, divulgação na mídia e locais de show até a dificuldade de criar ou manter público e redes de apoio.
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Apesar disso, a forte presença desses grupos na pesquisa mostra a potência criativa e a resiliência de quem encontra caminhos de expressão e inovação na música experimental, mesmo diante de múltiplas barreiras.
Algumas conclusões e possíveis medidas
1. Perspectiva Interseccional
Os dados mostram que a maioria é LGBTQIAPN+, com um contingente considerável de pessoas trans e não binárias, além de uma parcela neurodivergente e de PcDs. Em pesquisas e ações de fomento, é crucial levar em conta como esses marcadores (gênero, sexualidade, neurodivergência, deficiência, raça/cor, classe social etc.) podem se sobrepor, gerando dinâmicas de exclusão ou vulnerabilização.
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Os recortes de maternidade/cuidado, faixa etária etc. devem ser cruzados com outros dados (identidade de gênero, orientação sexual, raça, classe, neurodivergência, PcD etc.) para compreender melhor as sobreposições de privilégios e vulnerabilidades.
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Por exemplo, uma mãe solo trans ou travesti pode enfrentar obstáculos muito específicos, tanto no âmbito do cuidado familiar quanto na carreira musical.
2. Acolhimento e Inclusão Concreta, Políticas e Espaços
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Viabilizar editais, programas e oficinas que prevejam recursos de apoio a artistas com filhos (p. ex. ajuda de custo ou infraestrutura para cuidados infantis em residências e festivais).
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Divulgar boas práticas de inclusão e criar ambientes livres de preconceito estético-corporal, valorizando a arte produzida por pessoas de diferentes corpos, faixas etárias e condições familiares.
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Viabilizar espaços seguros para a expressão artística, considerando aspectos de acessibilidade física, comunicacional e de suporte a necessidades específicas (p. ex., intérprete de Libras, softwares de auxílio).
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Promover editais, residências artísticas e programas de mentoria focados em grupos pouco visibilizados, como pessoas trans, indígenas, neurodivergentes, PcDs e 40+.
3. Formação e Oportunidades
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Incentivar a troca entre gerações (quem está acima dos 40 e quem está começando). Esse diálogo intergeracional pode ser enriquecedor e fomentar novas criações no campo experimental.
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Elaborar materiais informativos sobre políticas de saúde, autocuidado e acessibilidade, considerando as necessidades de quem tem rotinas de cuidado familiar ou que vivencia gordofobia.
4. Acompanhamento Contínuo
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Recolher dados de forma recorrente ou periódica para monitorar mudanças (aumento ou redução de participação de certos grupos, impacto de ações afirmativas, etc.).
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Garantir sempre o anonimato das respostas e a segurança das pessoas, respeitando questões éticas
5. Valorização da Diversidade na Música de Invenção
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A diversidade de percursos e modos de existir (e criar) é uma das maiores forças das produções experimentais ou de “música de invenção”.
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Divulgar repertório de artistas que abordam questões LGBTQIAPN+, neurodiversidade e deficiência pode inspirar outras pessoas a se aproximarem desse campo.
Em síntese, esses dados quantitativos, associados a reflexões qualitativas, evidenciam um cenário em que pluralidade e inclusão devem ser prioridades. Ao reconhecer e valorizar essas diferenças, é possível construir espaços artísticos e culturais mais democráticos, capazes de acolher as distintas formas de expressão de mulheres e pessoas trans, reforçando a potência criativa do coletivo.
Distribuição Quantitativa dos Gêneros Musicais
A partir do gráfico de gêneros musicais, combinado com todos os dados sociais e demográficos apresentados anteriormente, é possível traçar um panorama diverso das práticas de criação de mulheres (cis e trans) e outras pessoas trans que fazem música de invenção. O questionário que foi respondido permite que se marque quantas opções desejar, havendo, assim, pessoas que declararam produzir música em vários desses gêneros. Abaixo, segue uma análise tanto quantitativa quanto qualitativa, bem como uma conclusão geral que relaciona esses resultados ao contexto mais amplo apontado pela pesquisa.
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Eletrônico Experimental (46): Aparece em maior número, sugerindo forte adesão a linguagens que mesclam elementos eletrônicos e experimentais. A utilização de computadores, sintetizadores e tecnologias diversas pode ser especialmente atraente em contextos de criação não convencionais. Também há um grande número de projetos solo, o que condiz com essa forma de produção musical, que permite que uma pessoa desenvolva suas ideias até a concretização final sozinha, em casa, de forma econômica e independente.
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Livre Improvisação (36), Experimentação Vocal (36) e Experimentação Instrumental (36): Esses três gêneros, todos empatados em 36, indicam um interesse significativo em práticas que exploram a liberdade criativa e a “invenção” em tempo real, seja vocal, instrumental ou em conjunto.
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Noise (32): A presença de 32 pessoas que trabalham com Noise reforça a afinidade por estéticas que rompem com a musicalidade tradicional, trazendo sonoridades densas, texturas e exploração de timbres extremos.
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Experimental (29): Embora o termo “Experimental” possa ser mais amplo ou “guarda-chuva” (podendo abranger várias tendências), ainda tem destaque.
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Rap Experimental (13) e Black Music Experimental (10): Esses gêneros têm aparecimento menor, mas significativo. Mostram a presença de pessoas interessadas em linguagens urbanas e afrocentradas, explorando formas fora do mainstream, o que dialoga com a pluralidade racial e cultural vista na pesquisa.
Observações Gerais
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A variedade de gêneros confirma a vocação diversa e híbrida da cena de música de invenção: diferentes trajetórias e identidades musicais coexistem, se misturam e se reinventam.
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Gêneros como Eletrônico Experimental, Noise ou Livre Improvisação são conhecidos por serem historicamente mais underground, o que pode se relacionar a artistas e a um público que busca romper barreiras estéticas e sociais.
Conexão com os Dados Sociais e Demográficos
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Identidade de Gênero e Orientação Sexual
A elevada participação de pessoas LGBTQIAPN+ (em torno de 77,8%) e de pessoas trans (incluindo transfemininas, travestis, pessoas não binárias e transmasculinas) sugere que essa pluralidade de vivências pode encontrar na experimentação musical um espaço fértil para expressão e ruptura de padrões normativos.
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Recorte Racial e Realidades Periféricas
Houve prevalência de pessoas brancas (62,5%), mas também presença expressiva de pessoas negras, indígenas e asiáticas. Essa diversidade racial potencialmente se reflete nas escolhas estéticas, sobretudo no que diz respeito à Black Music Experimental e ao Rap Experimental. Porém, o menor número desses gêneros em relação a outros pode indicar um espaço que ainda pode se expandir e incluir mais artistas racializados/as. As periferias e suas peculiaridades estéticas e sociais também estão imbricadas nesse cenário.
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Faixa Etária e Classe Social
A maioria é de classe média (cerca de 63,9%), com uma faixa relevante (30,6%) de pessoas que se declaram pobres ou muito pobres, o que pode impactar o acesso a equipamentos tecnológicos ou a formações especializadas. Em termos de idade, predominam pessoas mais jovens (abaixo de 40 anos), mas há também uma parcela acima de 40 que segue atuante na música de invenção, embora o impacto do etarismo seja evidente.
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Neurodivergência e PcD
A presença de pessoas neurodivergentes (22,2%) e com deficiência (5,6%) reforça que a cena experimental, embora ainda precise avançar em termos de acessibilidade, já conta com artistas que trazem abordagens singulares. Gêneros como Livre Improvisação e Noise podem oferecer formatos menos convencionais e, em certos contextos, mais abertos às diferenças de processamento sensorial.
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Maternidade e Corpo
Uma parcela de mães solo (11,1%) e pessoas gordas (8,3%) mostra grupos que muitas vezes vivenciam barreiras adicionais – desde a falta de tempo e infraestrutura até a gordofobia, a pouca representatividade de corpos diversos nos palcos, a escassez de oportunidades para quem não está dentro de determinados padrões estéticos. A música experimental pode se constituir como espaço de acolhimento, mas ainda há muito a ser feito em políticas de apoio (financeiro, logístico e estético).
Conclusão Geral Contextualizada
A pesquisa reafirma que a música de invenção em seu sentido mais amplo — abarcando práticas experimentais, improvisadas, eletrônicas, vocais, instrumentais ou ligadas a tradições urbanas como o rap e a black music — constitui um espaço de diversidade, mas também de tensões e desafios. De um lado, há um contingente majoritário de pessoas LGBTQIAPN+, com ampla faixa de mulheres cis e trans e outras identidades trans, o que sugere abertura às expressões de gênero e sexualidade. De outro, ainda se observam desigualdades raciais, de classe e barreiras impostas pela gordofobia, pela falta de acessibilidade a PcDs e pelos obstáculos enfrentados por mães solo.
Em síntese, os dados apontam:
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Alta pluralidade nos gêneros musicais experimentais: Eletrônico Experimental, Livre Improvisação, Experimentação Vocal/Instrumental e Noise são fortes, mas há ainda espaço para maior visibilidade de correntes como Rap Experimental e Black Music Experimental.
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Influência dos marcadores sociais: A escolha do gênero musical (ou a forma de expressão) pode refletir aspectos de identidade (racial, de gênero, orientação sexual etc.), acesso a recursos tecnológicos ou estrutura familiar.
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Necessidade de suporte e políticas inclusivas: Para que essa cena se desenvolva e seja mais equitativa, é importante criar formas de financiamento, infraestrutura e formação que contemplem as necessidades específicas de grupos minorizados, incluindo mães solo, pessoas gordas, PcDs, artistas negros/indígenas, pessoas trans e neurodivergentes.
Dessa maneira, a diversidade de gêneros musicais é um reflexo direto da pluralidade de identidades, condições de vida e formas de expressão das pessoas que compõem essa cena. Fortalecer políticas de inclusão, promover trocas de saberes e incentivar a participação de grupos minorizados é fundamental para que a música de invenção cresça como campo artístico inovador, crítico e verdadeiramente acolhedor para todas, todes e todos.