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Homenagem à Cássia Siqueira

Atualizado: 14 de nov.



Cássia Siqueira foi filósofa, artista, musicista e professora. Além da precisão, profundidade e consistência demonstradas na sua pesquisa e na sua prática, qualquer pessoa familiarizada com o seu trabalho pode atestar a generosidade, o cuidado e o carinho com os quais ela se envolvia com seus colegas. Essas características eram evidentes em suas atividades nos principais meios em que atuou: no meio de música experimental/noise; na UFF, onde se formou na graduação e tornou-se uma professora que impactou profundamente seus alunos, ainda que tenha lecionado por pouco tempo; na UFRJ, na qual concluiu o Mestrado e iniciou o Doutorado, orientada por J.P. Caron; e como bolsista na instituição para-acadêmica internacional The New Centre for Research and Practice. Nesta, cursou o programa Critical Philosophy, organizado por Reza Negarestani, cuja obra foi objeto central de sua pesquisa no Mestrado. Cássia cursou o programa como bolsista e, após a sua morte em 2024, foi criada uma bolsa de estudos para pessoas trans com o seu nome.


Na arte e na música Cássia Siqueira trabalhava com excessos e expurgos precisos, com delicadezas transformadas em cacos: devemos sentir na pele. O que ela criou trata do irrecuperável do tempo, das repetições intrusivas, das cidades como espaços de assombro, da busca por intensidades e êxtases, das ruínas que já habitam tudo o que ainda é novo.




Cursando o mestrado e em meio à pandemia, decidiu transicionar. Este processo era visto por Cássia não tanto sob o signo da inevitabilidade ou como uma tentativa de melhor conformar o corpo aos sentimentos, mas sim como uma escolha radicalmente transformadora, uma decisão também em busca de alterar circuitos e treinamentos infligidos pela socialização masculina do patriarcado. Assim, fez de si mesma um campo de batalha política. Ao fim, encarou a própria vida e a decisão sobre o seu término como o ato de escolha mais extremo. Anos antes desse ato e pouco antes de iniciar a transição, dizia, em sua composição sonora-textual-visual “Necrose Manifesto” (Festival Novas Frequências de 2020):


“Suspender a sobrevivência individual enquanto um critério suficiente para vida, e torná-lo simplesmente necessário. Submeter as funções atreladas ao indivíduo à indiferenciação vermicular pela necrose induzida, emparelhá-lo a seu duplo, cadavérico mas não menos morto. Trazer para fora o que já sempre esteve dentro. Morte sincrônica: nada a perder. Aprender a se mover no desespero.”



Cássia sempre interrogou os limites do que o humano pode se tornar, sendo notavelmente rigorosa tanto em seu trabalho quanto em sua vida. Desde o seu envolvimento inicial com a filosofia da linguagem até os seus textos mais recentes investigando as possibilidades de um feminismo radical trans inclusivo, passando pelas paisagens ruidosas de suas composições musicais, Cássia sempre se destacou e provocou questionamentos e transformações.


Começou a fazer música em um PC precário aos 13 anos. Já tocava violão e violino, instrumentos que, junto com a guitarra e a voz, eventualmente se juntavam aos loops, às fitas cassete e aos instrumentos virtuais. No seu Bandcamp, Nome Morto, encontram-se dez trabalhos, entre álbuns e EPs, de 2014 a 2023. Seu álbum mais ouvido é de 2016, “Presença", que contou com a participação de Cadu Tenório - e foi originalmente lançado com o nome morto de Cássia. 


Este álbum também encontra-se no Bandcamp da Seminal Records, assim como “Expurgo”, “RJ2019NIGREDO" e “Órfãos", o único álbum do projeto Ruínas, que conta com a participação de Leandra Lambert. Os espaços urbanos degradados da conexão Rio-Niterói, onde estudou e trabalhou, e de Volta Redonda, onde viveu dos 10 aos 17 anos e frequentou até o fim da vida, marcam fortemente suas composições. 



Cássia iria escrever um artigo sobre os resultados da pesquisa Musimutra e oferecer uma oficina online sobre loops e tapes. Não deu tempo. Ela se foi: mas o que fez, permanece. Que possamos honrá-la com a memória. 


Alguns de seus principais trabalhos podem ser conferidos nos seguintes links:



Mais do que ela escrevia em:


Artigos completos publicados em periódicos:


Cássia Siqueira. “A Veia Pragmática do Inumanismo”. DAS QUESTÕES, v. 12, p. 164-182, 2021.


Cássia Siqueira. “Subvertendo o Solo Áspero”. Crise e Crítica, V. 1, p. 50-90, 2023


Capítulos de livros publicados:


Cássia Siqueira. “Ruído, Anomalia e Organização”. In: Chico Dub. (Org.). Estudando o som ? 10 anos do Festival Novas Frequências. 1ed.Rio de Janeiro: Numa Editora, 2021, v. , p. 166-.


Cássia Siqueira. Fuck Culture. In: Model Is The Message. New York: Tripleampersand, 2023. 



Cássia Siqueira (*23-12-1996 _ 03-08-2024*) - Filósofa, artista, musicista, professora. Para sempre amada por quem a conheceu.


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